domingo, 25 de outubro de 2009

Seleção: o momento crucial da “administração” de RH.

Uma da idéias mais pretenciosas da administração é a “Administração de RH”. Simplesmente, ninguém “administra” seres humanos. Por mais que nós possamos demiti-los sem alguma “justa causa” prevista nas leis, esse poder está longe de suficiente para qualquer coisa ao menos parecida com a idéia de “administração” de seres humanos, ou de “pessoal” ou, pior ainda, de “RH”. A idéia de que esse poder, junto com a possibilidade de oferecer e de cortar incentivos seria suficiente é uma ilusão – como a maioria das ilusões, doce e sedutora.

Treinamentos, incentivos financeiros, benefícios sociais, homenagens ao “funcionário do mês”, não deixam de ter seus efeitos, é claro. E o poder de demitir a qualquer momento não deixa de ser um argumento forte. Mas que só funcionam para pessoas de desempenho inferior ou médio. Pessoas que dão as contribuições mais significativas para as empresas não são estimuladas por incentivos nem se sentem ameaçadas pela possibilidade de demissão. Pelo menos não o suficiente para alguma diferença maior em seu comportamento dentro da empresa – a não ser, é claro, a decisão de sair daquela empresa para uma outra ou para abrir a sua própria.

Como, então pelo menos aproximar-se de “administrar RH”, uma vez que diariamente tomamos decisões com implicações sobre o “pessoal”? Como pelo menos prever os efeitos das decisões? Como preparar-se para as reações dos seres humanos que dividem algumas horas no ambiente artificial da empresa?

O primeiro passo é admitir que não são “administrados”, apenas selecionados, treinados, estimulados, avaliados, recompensados e mantidos ou descartados. Parece muito? Mas nada disso implica em que o funcionário fará o que você precisa que ele faça.

O segundo passo é admitir que cada ser humano é único. Por mais romântico que possa parecer, é isso mesmo: a estímulos semelhantes, cada um reage de uma forma própria, particular. Embora 95% das vezes seja igual, nunca se sabe de antemão quem reagirá como os 95% e quem reagirá como os 5%.

O terceiro passo é admitir que a reação externalizada corresponde ao esforço do funcionário de convencê-lo de algo – o que ele acha que você espera da reação dele. Obviamente, não manifesta necessariamente a sua reação real, interna. É apenas o que ele tenta fazer parecer que aceitou. E o que “ele tenta fazer parecer que aceitou” pode dizer muito sobre sua reação real. No entanto, é necessário que você o conheça individualmente para fazer essa interpretação corretamente.

O quarto passo é admitir que, independentemente de qualquer coisa, o que interessa é o resultado. Preocupe-se, portanto, de medi-lo continuamente, de várias formas, e compará-las de pontos de vista diferentes. Geralmente não importa muito se alguém lhe admira ou lhe odeia, desde que produza; e, é claro, um eventual ressentimento não se transforme em tentativas reais de atingi-lo.

Acho que já situamos o bastante o tema central de hoje: a seleção como o momento crucial da “administração” de seres humanos na empresa. O processo seletivo se complementa com o processo “depurativo”: ou seja, após “selecionar” as melhores promessas, é necessário manter as que se concretizam e afastar as que continuam como promessas. Não apenas para a estabilidade da empresa: também como reconhecimento àqueles que cumprem suas promessas (todos precisam perceber que você percebe claramente os que sempre deixam pra cumprir suas promessas amanhã).

O processo “depurativo” pode seguir índices de desempenho – afinal, como colocado no “quarto passo” acima, o que interessa é o resultado – o que o torna infinitamente mais simples que o processo seletivo.

Selecionar significa perceber que tem maiores probabilidades de cumprir suas funções – ou a promessa de bom desempenho. Isso é mais arte que ciência; é uma habilidade a ser desenvolvida dia-a-dia, caso a caso; é necessário guardar cada avaliação na memória para poder comparar com o resultado – que só virá semanas, meses ou anos depois. Algo que requer um elevado grau de consciência para que receba a atenção e o esforço necessários.

Porque afirmamos que selecionar é “o momento crucial da ‘administração’ de RH”? Porque selecionar a pessoa adequada para a função e para o ambiente da função é como começar um jogo ganhando e com um bom time: ou seja, a tendência é consolidar a vitória e aumentar o placar. Enquanto selecionar inadequadamente significa começar perdendo, jogando com um time ruim, em que os jogadores jogam mal; além disso, nunca chegarão a formar um sistema, um grupo que se auto-regula. Ou seja, a tendência é continuar perdendo e cada vez mais feio.

Bom, acho que você já está suficientemente convencido da importância da seleção. A questão agora é “só” saber como fazê-lo. Como já disse, seria mais arte que ciência e uma habilidade a ser buscada e desenvolvida individualmente, caso a caso. No entanto, algumas sugestões talvez possam ajudá-lo no processo.

Primeiro, defina a função claramente. A partir da função, defina o perfil que o atenderá.

Segundo, analisar o currículo (formação e experiências anteriores) e a apresentação (aparência geral, postura e modo de falar) está longe de ser suficiente; mas são etapas necessárias, fundamentais, sem as quais não adiantaria muito dar os próximos passos – muito mais abstratos e relativamente difíceis.

Terceiro, você tem 5 a 10 minutos para conseguir “ver por trás da máscara” – algo que os psicólogos podem requerer sessões e mais sessões de 45 minutos. Quem é a pessoa que está tentando conseguir um crachá da sua empresa? O que ela realmente quer? E o que ela realmente pode fazer – de produtivo e de destrutivo? Que meios estaria disposta a usar para atingir seus objetivos – ou seja, quais são os seus limites: morais, legais ou racionais?

Outras perguntas, talvez ainda mais difíceis de responder em 10 minutos, mas progressivamente mais importantes à medida em que aumenta a complexidade da função e o grau de dependência da empresa em relação ao funcionário:

1. Como essa pessoa pensa? Que lógica ela usa em suas decisões? Uma lógica predominantemente científica, racional ou a-racional?

2. O que a motiva? O desejo de produtividade máxima ou o desejo de compensar alguma frustração através do trabalho e, consequentemente, da empresa?

3. O que ela deseja: apenas sobreviver com segurança e algum conforto ou deseja sobreviver com excesso? Ou desejaria “mais que sobreviver”?

4. Quais seus padrões predominantes de comportamento e de relacionamento: com subordinados, com semelhantes e com superiores?

5. Enfim, a promessa é de ser: 1) líder – predominantemente construtivo ou predominantemente destrutivo; 2) liderado – predominantemente construtivo ou predominantemente destrutivo?

Perguntas fundamentais para sabermos como lidar com cada pessoa. Ou seja, como estimulá-la com boas probabilidades de se obter o necessário (o mais próximo que podemos chegar de ‘administrá-la’); como avaliar seu grau de satisfação e de ressentimento com a empresa – e assim seus possíveis efeitos no médio prazo.

Assim, o primeiro determinante dos resultados da empresa é a seleção de potenciais colaboradores e sua avaliação contínua. Buscar responder às perguntas acima pode ser um bom começo para a arte de selecionar.

M.S.