domingo, 16 de junho de 2013

A noite

Eu ouço a noite deitado
o dorso exposto
sobre um lençol branco
o rosto apoiado
sobre um travesseiro carmim

eu ouço a noite calado
o dorso cortado
de tremendos açoites
meu rosto pasmado
olhando...
o tempo escorrer de mim

eu ouço a noite cansado
o dorso marcado
de castigos pernoites
meu rosto cansado
gritando...
uma história sem fim

minha boca entreaberta
meus pés descobertos
minhas mãos incertas
meus olhos despertos

deitado
calado
cortado
pasmado
marcado
cansado
gritando

o dorso exposto
o dorso sangrando

eu ouço a noite

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Auto-didatismo
em 4 passos
O método Educare

Auto-didatismo em quatro passos
O método Educare
  1. Introdução
  2. O método – 4 passos
  3. Passo 1 – revisão
  4. Passo 2 – pesquisa
  5. Passo 3 – debate
  6. Passo 4 – síntese
  7. Aprendizado baseado em tutoria
  8. Outros itens essenciais para o aprendizado:
    1. organização
    2. disciplina
    3. auto-estima
    4. motivação
    5. atividade física
  9. Uma palavra sobre liderança
  10. Uma palavra sobre déficit de atenção
  11. Conclusão: percebendo-se capaz



Introdução – o método


O que nós chamamos de “Método Educare” é algo tão simples que pode-se pensar que apenas observamos a forma natural das pessoas estudarem e a associamos ao conhecimento sobre como o cérebro armazena informações. Se pensarem isso, ótimo, porque é exatamente isso.

Em primeiro lugar, as pessoas realmente já executam uma sequência naturalmente lógica de ações quando querem aprender algo. Esta sequência é tão espontânea que normalmente não se percebe – ocorre inconscientemente – e, por isso, nem parece que existe: parece que as pessoas apenas tentam aprender, cada uma a seu jeito. No entanto, existe muito em comum entre os vários “jeitos” das pessoas aprenderem.

Foi exatamente observando o que há em comum, que pudemos elaborar o Método Educare: ao identificamos esta sequência e propormos sua sistematização.

Em segundo lugar, o cérebro realiza processos específicos ao lidar com novas informações, podendo “descartá-las” ou “armazená-las”. Há uma sequencia natural para que isso ocorra – desde a captação da informação pelos órgãos dos sentidos, a sua significação, a sua relação a outras informações, o seu trânsito dentro de áreas específicas no cérebro, até a elaboração de uma informação pronta para ser armazenada e, a posteriori, recuperada e utilizada de várias formas.

Conhecendo esses 2 fenômenos (comportamental e cerebral), pudemos elaborar uma sequência de ações (um método) para facilitar o aprendizado.

Consideramos, simplificadamente, que “aprender” significa “memorizar”. Assim, facilitar o aprendizado requer conhecer os vários tipos de memória e compreender o processo de formação de memória de longo prazo.

Ou seja: poderemos facilitar o processo de aprendizagem se apresentarmos informações em uma sequência coincidente com os processos cerebrais de formação de memória de longo prazo.

Esta é a primeira parte da essência do Método Educare. A segunda parte é fazer isso realçando que o aluno é capaz de aprender, buscando resgatar sua auto-estima e canalizar suas motivações para o estudo.

O efeito final que buscamos é tornar o aluno auto-confiante o bastante para agir de forma auto-didata: o auto-didatismo não é exatamente um método e sim um estado ou uma atitude em que nem mesmo todas as dificuldades somadas conseguem abalar a auto-confiança do aluno.

Mesmo as maiores dificuldades são enfrentadas com confiança em si mesmo, sem diminuir a auto-estima ou a motivação. Mesmo alunos com “déficit de atenção” conseguem excelentes resultados com o Método Educare, porque ele funciona igualmente em alunos com ou sem TDAH.

Um aluno motivado, com acesso a fontes de pesquisa e com a sistematização do aprendizado através do Método Educare, com ou sem a orientação de um tutor, consegue aprender por si só – consegue se tornar auto-didata.

Os quatro passos do método são:
  1. Revisão;
  2. Pesquisa;
  3. Debate;
  4. Síntese.

      Cada um tem características e detalhes que os tornam realmente um método, algo que tem um efeito final claramente detectável, onde 1 + 1 + 1 + 1 é bem maior do que 4. Um efeito que vai muito além da simples assimilação de informações; um efeito que passa por auto-avaliações, percepção de capacidades e reavaliação da auto-estima e do auto- conceito.

Resumidamente, dizemos que a essência do Método Educare é “perceber-se capaz”, pois um aluno que se percebe fazendo uma revisão e uma pesquisa, participando de um debate e elaborando uma síntese, acima de tudo, se vê como alguem capaz. Alguém que, apesar de algumas dificuldades, é capaz de superá-las e, através da ferramenta do método, alcançar seus objetivos.

Outros pontos essenciais para que ocorra a aprendizagem: 1. organização; 2. disciplina; 3. auto-estima; 4. motivação; 5. atividade física. Realçar estes pontos também compõem a essência do método.

A simples existência de um método já implica em certa Organização e Disciplina. Os efeitos secundários citados acima (resumidamente: perceber-se capaz) tem um efeito direto positivo sobre a auto-estima e a motivação.

Um aspecto em particular a ser abordado é a Motivação. De nada adiantam informações, métodos, ferramentas, estímulos, apelos ou o que quer que seja se o aluno não encontra motivação para estudar. Motivação é um tema complexo tem determinantes que estão muito além da sala de aula mas precisamos abordar este tema, mesmo que brevemente.

Perceber-se capaz”, é o efeito mais imediato do Método Educare. Acreditamos que esse efeito tenha repercussões diretas sobre a motivação. Pois um dos principais (se não o principal) entrave ao progresso da aprendizagem é um ciclo vicioso, composto por:
  1. baixo rendimento;
  2. aumento no esforço de estudo;
  3. excesso de cobrança – externa e interna;
  4. baixa auto-estima.
  5. profecia auto-realizada.

O resultado é uma desmotivação progressiva; quando esta se estabelece, entra-se em uma espiral descendente, em que o ciclo não apenas se mantém mas se acentua dia a dia – e o resultado final é que se poderia chamar de “profecia auto-realizada”.

Quando o aluno não acredita mais na possibilidade de sucesso, passa a esperar de si apenas maus resultados; nesse ponto ele praticamente desiste de tentar, configurando a chamada profecia auto-realizada: pois ao prever (profetizar) apenas maus resultados, desiste de tentar, e acaba obtendo maus resultados que mostram que “a profecia se cumpriu”. Ora, prever maus resultados e desistir de tentar foi o que resultou nos maus resultados – por isso, dizemos que a “profecia realiza a si mesma”.

Nesse ponto, geralmente, as cobranças internas e externas se acentuam, acelerando a espiral, tornando o excesso de cobrança cada vez mais contra-producente e com efeitos cada vez mais negativos sobre a auto-estima, agravando os maus resultados – o resultado: o aluno aprende cada vez menos por sentir-se incapaz de aprender. E, pior ainda, por estar desmotivado a um ponto de agir cada vez mais “como se tivesse desistido”, confirmando todos os maus prognósticos sobre ele (dos pais, dos professores e dele mesmo).

É fundamental lembrar que não apenas os pais cobram os filhos: os próprios alunos se cobram – e muito! Se não existisse essa auto-cobrança, não haveria repercussão sobre a auto-estima e auto-conceito. Ou seja, sem auto-cobrança, o aluno não começaria a se sentir inferiorizado – ele simplesmente não estaria nem aí para seus resultados, não se esforçaria para mudá-los e não se frustraria quando não conseguisse: o ciclo vicioso de cobrança contra-producente e queda progressiva da auto-estima e formação de expectativas negativas (profecias) só pode ocorrer porque o próprio aluno se cobra um resultado e se frustra por não conseguir atender às cobranças externas e internas.

Portanto, torna-se fundamental diferenciar o aluno desinteressado (“irresponsável”, mesmo?) do aluno interessado mas desmotivado, com a auto-estima fragilizada, sentindo-se incapaz. Por vezes é muito difícil fazer essa distinção e vemos pais investindo muito em alunos que simplesmente apenas fingem colaborar, enquanto outros exageram na cobrança de alunos que já estão dando o melhor de si, esforçando-se muito mais do que a média.

O Método Educare é simples, baseado em uma sequência lógica, harmonizado com os processos cerebrais de aprendizado e que visa recuperar a auto-estima do aluno, ao apoiar-se no que eles são capazes de fazer, motivando-os a partir de se “perceberem capazes” de aprender e, consequentemente, de muito mais: de viver uma vida saudável e produtiva!


Revisão


Observando bem, pudemos perceber que os alunos iniciam tentando separar o que sabem do que não sabem ainda, para definir seu alvo de aprendizagem. É o passo que nós chamamos no Método Educare de “Revisão” – não é exatamente rever tudo sobre o assunto e sim identificar o que já se sabe e o que ainda se precisa aprender. Para isso, é necessário rever mentalmente todo o contato que se teve sobre o tema, identificando áreas de conhecimento sedimentado e áreas de conhecimento flutuante. Este é o passo 1 do Método Educare.

Um passo essencial porque geralmente ocorre de, nesse momento, os alunos perceberem que sabem muito mais do assunto do que imaginavam – é o “perceber-se capaz”! Ou seja, ao serem questionados pelo Tutor (ou por si próprios ou por alguém do grupo de estudo) sobre “o que lembram do assunto”, muitos respondem que lembram pouco ou quase nada. Porém, quando o Tutor pede que digam “pelo menos uma coisa que lembram” o efeito é de acabarem lembrando muito mais, pois as informações estão sempre relacionadas a outras: ou seja, “puxando uma”, outras também vem e, com essas, outras e mais outras...

Este é um dos efeitos do Método, que faz o aluno perceber-se capaz: o tutor vai estimulando os alunos a lembrarem, com dicas e apresentando perguntas e informações relacionadas, para extrair o máximo possível da sua memória. Quando os alunos se percebem falando muito mais do que imaginavam a princípio, ocorre um efeito interessante: eles agora já não pensam mais que “sabem pouco ou quase nada” do tema... agora sentem-se mais capazes de aprender porque perceberam que sabiam mais do que pensavam!

Após separarem o que sabem do que não sabem, os alunos vão aprofundar o que já sabem. Ou seja, ao invés de irmos diretamente estudar o que eles não sabem ainda, preferimos aprofundar um pouco a parte que eles já se sentem seguros. Por quê? Porquê quando partimos de um assunto que eles já aprenderam, reafirmamos que eles são capazes de aprender. E essa sensação de ser capaz vai fazer toda a diferença quando formos abordar os assuntos que eles ainda não sabem: se o nosso ponto de chegada é o que eles ainda não sabem, nosso ponto de partida precisa ser o que eles já sabem.

Há um outro motivo, importantíssimo, pelo qual precisamos primeiro abordar o que eles já sabem: o cérebro fixa uma informação nova em uma informação já fixada. Assim, quando revisamos as informações já fixadas (o que eles “já sabem”) criamos as condições para fixar o objeto de estudo (o que eles vão aprender em seguida).

Após revisarem (separando o que sabem do que não sabem; ou: “informações já fixadas” de “informações novas”), os alunos podem passar ao próximo passo: pesquisar mais sobre o que ainda não sabem.

Quando a Pesquisa (passo 2) é precedida de uma Revisão (realizada da forma descrita acima), ocorrem alguns outros fenômenos interessantes: primeiro, o alvo do aprendizado é identificado e o tempo de estudo otimizado; o processo de estudo começa a se tornar organizado, algo que tem consequências diretas sobre o resultado: iniciar o estudo com o exercício de uma revisão bem feita é o início da disciplina e da organização, necessárias para os próximos passos.


Pesquisa


Pesquisar inclui buscar dois tipos de informações: 1. as que formarão o objetivo do aprendizado (alvo primário); 2. as relacionadas a esse objetivo (alvo secundário).

As informações do primeiro tipo compõem o que o aluno precisa assimilar, ao final do estudo – aquilo que ele diretamente “precisa aprender”. As informações do segundo tipo (que chamamos aqui de alvo secundário) são geralmente negligenciadas – mas são extremamente importantes, são parte essencial do processo de criação de memória de longo prazo/ aprendizagem.

Tão importantes – e esse é um ponto fundamental do Método Educare – que precisamos detalhar melhor esse ponto. O cérebro só pode fixar uma informação a uma outra informação previamente fixada. Ou seja, para fixar uma informação nova “A”, nós precisamos de uma informação previamente fixada “B”. E, consequentemente, para que ocorra a fixação de “A” a “B”, é necessário apresentar as duas, simultaneamente, para que o cérebro possa relacioná-las – fixando uma na outra.

O que chamamos de “Pesquisa” no Método Educare tem 2 objetivos:
  1. buscar mais informações novas;
  2. buscar informações relacionadas, já fixadas, que o cérebro possa utilizar para fixas as informações novas.

A busca de informações relacionadas (a pesquisa) cria um contexto, sobre o qual será inserido o objetivo primário. Sem o contexto, as informações novas ficariam soltas, suspensas, sem poderem ser fixadas – ou, em outras palavras, ficam apenas na memória primária, sem serem sedimentadas na forma de memória de longo prazo (o aprendizado).

É semelhante a uma relação figura-fundo: a figura é o alvo primário e as informações relacionadas são o fundo; a figura destaca-se do fundo e pode ser compreendida, enquanto o fundo cria o contexto para essa compreensão.

Uma outra forma de apresentar essa ideia é a relação entre floresta e árvore: sabemos que é impossível compreendermos o que é uma floresta sem sabermos o que é uma árvore. O que as pessoas em geral subestimam é a necessidade de se conhecer algo sobre florestas no momento de se aprender sobre árvores. Ou seja, para aprender o que é uma árvore, é extremamente útil apresentar o conceito de floresta porque criará o contexto para assimilação do conceito “árvore”.


A Pesquisa, no Método Educare não apenas ajuda a fixar informações: ajuda a formar uma nova visão sobre tudo.


Há pessoas que passam a vida inteira sabendo muito sobre árvores mas nunca compreenderam o que realmente é uma floresta. Assim como nós observamos profissionais que sabem muito sobre medicamentos mas quase nada sobre as pessoas em que esses medicamentos fazem efeito; ou que sabem muito sobre leis mas quase nada sobre as condições em que as pessoas vivem; ou que sabem muito sobre construir casas mas quase nada sobre as pessoas que moram nelas; ou sobre tantos outros que veem bem as figuras mas não olham o fundo – e sabem muito sobre coisas e quase nada sobre pessoas.


Por isso, o que chamamos de Pesquisa precisa ir muito além de coletar mais informações. A essência do método é: “como utilizar essas informações adicionais”. Como criar um contexto a partir delas; não apenas lembrando que há diferenças nas bactérias no solo porque há diferentes tipos de solo mas também lembrando que isso resulta em diferentes tipos de vegetais disponíveis, que formam hábitos alimentares e culturais diferentes, resultando em poderes econômicos e de representatividade diferentes, em consequência disso tudo – a cultura humana local é determinada em grade parte pelo que aquela população consegue produzir: de abacaxis a diamantes; de folhas de coca e papoulas a petróleo e gás natural; da agropecuária a prestação de serviços.

Quando falamos “Pesquisar”, falamos em algo que vai muito além de relacionar bactérias e solos, em algo que vai até os muitos outros desdobramentos da relação entre as informações – incluindo os comportamentais, econômicos e políticos: assim, não apenas se sedimentam informações na forma de aprendizado mas também se forma uma visão abrangente sobre os fenômenos, enfatizando as relações de causa e consequência.

Este é o papel do passo 2, a Pesquisa: além de oferecer informações para fixar o objetivo primário do aprendizado – ao mesmo tempo em que expande a visão sobre tudo.
Debate


Enquanto nos passos 1 (Revisão) e 2 (Pesquisa) o objetivo é buscar informações, no passo 3, o Debate, o objetivo é fazer essas informações se encontrarem, para que possam ser relacionadas e, assim, sedimentadas na forma de aprendizado.

Ou seja, através do debate é que as informações “A” e “B”, assim como outras, irão se encontrar. É esse encontro de informações relacionadas que leva à sedimentação do conhecimento – a formação de memória de longo prazo/ aprendizado.

Durante o Debate, cada aluno oferece não apenas mais informações: cada um oferece pontos de vista diferentes sobre as informações e sobre como elas podem ser relacionadas. Ou seja, através do debate, se tornam evidentes relações até então não percebidas entre as informações.

É a partir dos pontos de relacionamento, das áreas de intersecção, das relações percebidas entre uma informação e outra, que uma informação nova pode ser “colada” à uma informação previamente fixada e, assim, ser fixada também, ou “sedimentada”, passando a compor uma memória de longo prazo: quanto mais pontos de fixação entre as informações, maior a chance de serem fixadas.

O que o Debate faz é: 1. disponibilizar informações adicionais, a serem relacionadas; 2. apresenta pontos para o relacionamento das informações; 3. fazer se encontrarem as informações e os pontos de fixação, “costurando” ou “colando” as informações novas às já previamente fixadas.

Através do debate, além de fazer se encontrarem as informações relacionadas, cria um ambiente de liberdade e respeito à individualidade.



Idealmente, o debate deve ocorrer em grupo, é claro! Mas o aluno pode “debater” consigo mesmo; ao estudar sozinho, o aluno elabora questões para ele mesmo responder. O fato de ser capaz de elaborar questões é um excelente indicativo de que aquele assunto está sendo assimilado. Elaborar e responder questões, mesmo sozinho, é um excelente exercício de aprendizado.

Outros efeitos do debate – quando ocorre em grupo – são alguns exercícios importantes de: desenvolver pontos de vista/ opiniões próprios; expressar pontos de vista e conceitos, geralmente abstratos; perda da inibição em falar e em defender seus pontos de vista; aprender a ouvir; decodificar os pontos de vista alheios; respeitar as diferenças entre suas interpretações e seus pontos de vista e os dos outros. Todos esses efeitos são essenciais para o desenvolvimento da auto-estima e da sensação de ser capaz de aprender e de se desenvolver.















Síntese


Fazer uma Síntese é bem diferente de fazer um “resumo”; uma Síntese é feita com as próprias palavras do aluno, a partir da visão do assunto que o aluno desenvolveu no decorrer dos outros passos: após revisar, após pesquisar e após debater. Mas vai muito além do tema central, incluindo a sua relação com o contexto. Ou seja, é como um quadro em que não se pinta apenas uma figura e sim uma figura e um fundo: o tema e o contexto.

A síntese é muito mais que um resumo – é um conhecimento novo, porque decorre da soma de várias informações sobre o tema central e sobre temas relacionados. Por exemplo, em uma Síntese sobre os “tipos de solo”, se falaria também sobre consequências alimentares, culturais e econômicas dos tipos de solo. Assim, um tema de Geografia se relaciona a temas de outras disciplinas, para compor mais que um resumo.

A grande diferença é algo que podemos chamar de “criatividade”: a capacidade de relacionar informações a outras; assim, duas Sínteses sobre o mesmo tema podem ser – e geralmente são – muito diferente uma da outra.

A Síntese faz com que as informações circulem entre as várias áreas do cérebro, algo extremamente necessário para a formação da memória de longo prazo.

Uma síntese não é um esquema e sim uma pequena redação. Não se faz lendo ou olhando um caderno e sim inteiramente de cabeça, apenas lembrando o que se aprendeu sobre o tema central e os temas relacionados; sobre o objetivo e os desdobramentos – sobre a figura central e o fundo. Ou seja, Síntese é quando informações e contexto se encontram, a partir do ponto de vista do aluno, após uma revisão, uma pesquisa e um debate.


Um aspecto essencial é o ato de escrever: por ser um ato motor (com movimento) é produzido e regulado em regiões do cérebro diferentes das que lidam puramente com informações: ou seja, com o ato de escrever, estimulam-se várias regiões do cérebro, a partir de uma informação, contribuindo para sedimentá-la. Por exemplo, sabemos hoje (através de estudos como a Ressonância Magnética Funcional), que uma palavra que expresse uma ideia de “estar em movimento” ativa áreas do cérebro diferentes de uma palavra que expresse uma ideia “estar parado” (por exemplo, a palavra “avião” e a palavra “cadeira”); algo semelhante ocorre quando se usa uma palavra de significado concreto de uma de significado abstrato (por exemplo, a palavra “pedra” e a palavra “saudade”); mais ainda, substantivos ativam áreas diferentes de verbos.

Ou seja, hoje sabemos que quanto mais uma informação circule ativando áreas diferentes, maior a probabilidade de ser sedimentada na forma de memória/ aprendizado. Assim, quando escrevemos uma Síntese que inclua a palavra “sentir saudade avião” ativaremos áreas diferentes de “mesa, pedra, cadeira” – e estas diferenças tem implicações sobre o processo de sedimentação de informações.

Parte do efeito da síntese vem simplesmente de fazerem circular informações. Mas parte vem de um fenômeno importantíssimo mas geralmente negligenciado: a relação entre movimento e a sedimentação de informações. Há muito se sabe que estudar ou pensar realizando algum movimento tem um efeito positivo, mais evidente em alumas pessoas que em outras. Ocorre que o planejamento e boa parte do movimento é realizado pelo lobo frontal, o mesmo responsável por boa parte do processamento de informações na forma de conhecimento. Ativar o lobo frontal com movimento facilita o aprendizado – pelo menos em algumas pessoas. Aristóteles já havia percebido este fenômeno e preferia refletir estando em movimento (caminhando com seus alunos).

A Síntese transforma conhecimento (abstrato) em atos motores (escrita), sedimentando as informações, transformando-as em conhecimento – ou memória de longo prazo.

Informações novas chegam à região posterior (occipital), através da leitura, passam pelas regiões laterais (temporais – onde estão armazenadas as memórias, o conhecimento já sedimentado) e chegam à parte anterior (frontal), de onde circulam da parte mais à frente, voltando para se transformarem em movimento na parte mais central do cérebro, no tronco cerebral e no cerebelo, que coordenam o movimento. Ou seja, ao adicionar-se o movimento no momento em que lidamos com informações faz com que as mesmas circulem por praticamente todo o cérebro: o resultado é uma oportunidade maior se serem fixadas. Este é um dos principais objetivos da Síntese: associar um ato motor ao lidarmos com informações, aumentando a possibilidade de serem fixadas.

Aprendizado baseado em tutoria


O Método Educare foi idealizado para alunos que buscam o auto-didatismo – sozinhos em em grupo – com ou sem a orientação de “Tutores”, por “Professores com comportamento de tutores”.

É possível alguém se tornar auto-didata? Alguém que sempre estudou com auxílio de professores? Claro que sim! Dispondo de um método simples e auto-aplicável como ferramenta e material de estudo (livros, revistas, sites e outras fontes) é tudo o que é necessário para quem pretende estudar sozinho ou em grupo mas sem tutores ou professores. Mas, se houver a disponibilidade de um tutor que facilite a transição para o auto-didatismo, melhor ainda.

Há várias diferenças entre professores e tutores; a principal delas é que tutores se concentram em ensinar a aprender; ou seja, seu foco não é o “ensino” e sim o “processo de aprendizagem”: seu maior objetivo é tornar o aluno um auto-didata.


O maior objetivo de um tutor é facilitar a transição do aluno para o auto-didatismo.


Todos os professores tentam ensinar os alunos a aprender, uns mais, outros menos. Mas seu foco é apresentar o assunto, apresentar os objetos do conhecimento. Enquanto os tutores são focados em: 1. ensinar a aprender; 2. ensinar a aprender; e 3. ensinar a aprender. Ou seja, eles são obcecados em tornar os alunos auto-didatas!


Partimos de duas premissas para preferir o caminho da tutoria rumo ao auto-didatismo.
A primeira é: estudar é compreender um tema e encontrar respostas. Quem é que está estudando? O aluno! Portanto, o aluno é que tem que compreender os temas encontrar respostas! O que o tutor pode fazer é facilitar esse processo; é guiá-lo rumo ao caminho das pedras; é passar algumas coordenadas para que ele possa se orientar e encontrar a direção, o “fio da meada”. Daí em diante, tem que ser com ele, aluno!

Essa orientação ocorre muitas vezes na forma de pequenas perguntas. Não seriam dicas diretas e sim perguntas simples, que na realidade são um passo em direção à pergunta maior. Como nos ensinou Descartes em seu discurso do método, cada questão pode ser decomposta em questões menores, até encontrarmos questões tão simples que não podem mais ser decompostas.

Assim, quando o aluno tenta responder uma questão, o tutor faz perguntas simples, que na realidade compõem a questão maior que o aluno está suando para tentar responder. Ao perceber-se respondendo uma questão sobre o tema, o aluno percebe-se capaz.

Em seguida, mais uma questão simples respondida e já estamos avançando para a questão final. É um processo em que o aluno acaba revisando o conhecimento necessário para responder a questão; quando ele percebe, a resposta à questão já apareceu, como consequência de ter respondido às várias questões simples.

Se o aluno estiver estudando sozinho ou em grupo mas sem tutor, cada um deve procurar decompor a questão maior em questões simples (conforme sugerido por Descartes) e ir ativamente procurando compor passo a passo o caminho para a resposta.

Após as “perguntas-simples” ou “perguntas-dicas” do tutor, o aluno ativamente assume a condução do processo: ele busca e encontra um ponto de vista para analisar o tema e compreendê-lo – ativamente, porque ninguém responde questões passivamente!

A segunda premissa para o aprendizado baseado em tutoria é: tudo o que o aluno precisa, em termos de informação para compreender um tema, está nos livros-texto e em fontes outras de pesquisa; da mesma forma, tudo o que ele precisa para responder uma questão está nos livros e outras fontes.

Portanto, ele precisa apenas ter acesso a essas fontes e receber uma orientação de como fazê-lo, por onde começar (é exatamente este um dos papeis do Tutor). Fazendo-o, ele compreenderá o tema e, ativamente, encontrará as respostas. Se o aluno estiver estudando sozinho ou em grupo mas sem tutor, ele deve procurar o “fio da meada” preferencialmente em algum ponto daquele tema que o mesmo já domine; a partir desse ponto, vai estendendo a revisão, a pesquisa o debate, etc...
Outros itens essenciais para o aprendizado
1. organização; 2. disciplina; 3. auto-estima; 4 motivação; 5. atividade física


Organização:
A simples existência de um método é um excelente começo. E esse método indicando uma forma clara de iniciar o estudo (com a Revisão), um “por onde começar” bem definido, seguido das outros 3 passos tem o efeito de estabelecer um plano de estudo. O aluno começa já sabendo por onde começar e quais serão os próximos passos.

Ter uma sequência e um plano bem definidos de estudo: começamos pelas disciplinas onde o aluno tem mais facilidade, para que se perceba capaz. Além disso, pelo mesmo motivo, usa-se menos tempo com estas. Entre as que o aluno tem menos facilidade, seguimos com aquelas cuja avaliação esteja mais próxima.

Material todo colocado desde o início, vamos checar os temas que vamos estudar: nesta disciplina, vamos revisar primeiro este tema, depois aquele, passando por aquele outro e chegando a aquele outro. Ao iniciar o tema, uma passeada geral – folheando o texto, por exemplo – ajuda a ir ativando algumas informações e despertando associações, necessárias para quando vier o estudo em si.

A cada tema, revisa-se mentalmente o que se sabe sobre ele; em seguida, o mesmo com o próximo tema e assim até o final. Em seguida-se, buscam-se as informações necessárias através da Pesquisa e segue-se adiante, disciplina por disciplina; pausas conforme necessário, para água, para lanche, para esticar as pernas e a coluna, ou simplesmente para relaxar um pouco. Mais importante ainda, é que as pausas são necessárias para o cérebro processar o conteúdo, associando e sedimentando as informações.

Música enquanto estuda: o efeito varia de pessoa para pessoa – enquanto distrai e dificulta o estudo para alguns, pode estimular o cérebro e facilitar, para outros; é essencial que cada um tenha auto-crítica suficiente para usar este recurso ou evitar esse fator de distração. O tutor também pode ajudar nessa avaliação.

Aparelhos celulares são sempre uma fonte de distração e não podem ser incluídos no ambiente de estudo. Tablets podem ser utilizados como ferramenta de acesso à internet durante a fase de pesquisa; durante a síntese, o aluno deve escrever à mão, para que tenhamos o efeito de adicionar movimento (apenas teclar tem uma quantidade muito menor de movimento).

Defina o tempo para cada etapa: ou seja, 30 minutos para Matemática e 30 para Biologia; 10 minutos de intervalo; 60 minutos para Física; intervalo de 10 minutos; e assim por diante. Além de distribuir bem o tempo, define metas e a sensação de “urgência” em terminar, à medida em que o tempo vai acabando, o que serve como um estímulo significativo.

Um ponto essencial é que o aluno comece, comece, comece! Na hora programada para começar a estudar, que comece! Não caia na armadilha de começar “daqui a 10 minutos”... precisa ser na hora programada.

Se puder ser tudo organizado e planejado, conforme descrito acima, ótimo. Mas, se não for, que o aluno comece de qualquer forma, desde que no horário estabelecido. Começar é essencial, é um passo que não pode faltar; começar da melhor forma possível – mesmo que distante da ideal – e ir ajustando a sequência, à medida em que o hábito de estudar se estabelece. Quando o hábito de estudar se estabelece, tudo começa a melhorar!

Disciplina:
Consideramos a disciplina não como “seguir orientações” - geralmente sem questionamento. Ao contrário, disciplina não teria muito a ver com seguir orientações e sim em manter a organização iniciada no passo 1 (a Revisão).


Ou seja, Disciplina seria mais ou menos o mesmo que “saber perseverar” – uma vez iniciado um processo, ele precisa ser mantido: a disciplina refere-se a manter-se fazendo todas as etapas do Método, todas os dias, todas as vezes que se for estudar.


Pois de nada adiantaria fazer as 4 etapas do método uma vez ou outra, “quando se estivesse mais disposto”... muito menos fazer de qualquer jeito “só hoje”, por estar mais apressado... A disciplina que o Método Educare precisa não é a disciplina de cumprir o que se manda e sim a disciplina de manter as 4 etapas do método – fazer da mesma forma, todas as vezes.


Auto-estima:
Por ser um aspecto essencial para um bom rendimento escolar e por ser pouco debatido, nos estenderemos um pouco mais sobre o tema “auto-estima”.


Para um bom rendimento, além de estudar de forma organizada e disciplinada, perseverando no método, é necessário que a auto-estima esteja preservada. Se não estiver – e frequentemente não está – é necessário restaurá-la. Para isso, sempre é necessária a ajuda dos pais e amigos, assim como pode ser a participação de psicólogos.


Para que o aluno não assimile seus resultados ruins como significando que ele “é incapaz de resultados bons” (ou seja, para que seus resultados atuais não comprometam sua auto-estima e a expectativa negativa sobre os próximos resultados não os façam desistir de tentar – a profecia auto-realizada) é preciso que o aluno seja orientado sobre o processo de ensino-aprendizagem-avaliação, suas premissas e suas imperfeições. E, se o aluno estiver com a auto-estima comprometida por outros motivos (sem especificar quais), é papel do tutor/ professor auxiliar nessa percepção e orientar bem aos pais/ cuidadores.


Além disso, é necessária uma reflexão mais geral, sobre o mundo, para que o aluno perceba que suas inquietações (que o estão fazendo sentir inferiorizados) são próprias da idade e, mais ainda, próprias dos seres humanos de maneira geral. Que nada torna um ser humano inferior ou superior a outro – nem notas ruins ou notas boas... sua auto-estima não precisa variar tanto em função dos altos e baixos das notas, porque há um horizonte muito mais abrangente à frente.


Parece simples mas para que uma criança ou adolescente com desempenho escolar ruim não se sinta diminuído em relação aos colegas e ao mundo desafiador que ele vê bem à sua frente, é preciso uma certa noção de como as coisas são e funcionam – algo que, embora seja extremamente difícil na idade escolar, é extremamente necessário e pode fazer toda a diferença.


Por isso, uma característica do Método Educare é um convite permanente à reflexão... e o quanto antes esse processo que levará a uma “compreensão geral” do mundo se iniciar, melhor – considerando as especificidades de cada idade e de cada aluno em particular.


Todos nós refletimos sobre tudo. Desde qual roupa usar até qual o sentido da vida. Os alunos geralmente refletem apenas sobre a utilidade do conhecimento que a escola e os pais tentam quase desesperadamente fazer com que eles aprendam.... E sabemos que para crianças e adolescentes a ideia meio óbvia de “se não estudar, não arruma um bom emprego ou uma boa profissão, etc” não faz muito sentido porque eles ainda não desenvolveram totalmente a noção de consequência ou uma visão em perspectiva.

É necessário, então, refletir sobre o momento, sobre o futuro, sobre o sentido de estudar, sobre o que seja crescer, sobre o que seja liberdade, sobre o papel dos pais, sobre o seu papel cada vez mais ativo em cuidar de si mesmo, sobre o valor da oportunidade de estudar e todas as suas inúmeras consequências... Inclusive sobre não se poder avaliar o valor de cada ser humano pelo seu boletim! Que, apesar das notas serem importantes, não classificam as pessoas em níveis... Que uma comparação entre as suas notas e as do seu colega não é uma comparação entre ele e seu colega e sim apenas entre suas notas... Que mesmo um desempenho escolar ruim não o torna uma pessoa ruim... Que notas refletem um momento, não uma pessoa... Que as notas desse bimestre são desse bimestre – no próximo, podem ser totalmente diferentes... Que um resultado anterior ruim apenas nos leva a continuar tentando um resultado melhor em seguida, nunca a esperar um resultado ruim e desistir... Que devemos estar alertas para o fenômeno real da “profecia auto-realizada”...

Mas quem vai discutir esses temas com eles? A família, sim – mas cada vez menos? A religião, sim – mas jovens mais escolarizados são cada vez menos religiosos. Sobrou para a escola! E a escola não pode ignorar esse fato muito menos se omitir nesse momento tão crucial!

O Método Educare oferece algo especificamente no sentido de convidar à reflexão? A Pesquisa, o Debate e, principalmente, a Síntese – por acrescentar uma visão pessoal do tema – certamente estimulam a reflexão. Os tutores, ao oferecerem perguntas simples, que levam a raciocínios, também estimulam a reflexão. E o aluno que estuda sozinho ou em grupo mas sem tutores ou professores pode fazer diariamente exercícios de reflexão.

A reflexão sobre os temas citados acima, nas oportunidades que o método oferece, pode levar a uma compreensão mais abrangente e profunda de si mesmo, do significado e utilidade do estudo, do comportamento humano e do funcionamento geral do mundo – algo necessário para a manter a auto-estima e evitar a profecia auto-realizada.


Motivação

Como definir motivação – ou, mais importante ainda, como diferenciar motivação de interesse? Se não o fizermos precisamente, como diferenciar um aluno desmotivado de um desinteressado?

Digamos que uma pessoa que tem o objetivo de aprender e outra que não deseja e sim apenas divertir-se, sem pensar no amanhã. É fácil perceber que o segundo está desinteressado. Mas não necessariamente o primeiro irá atingir seu objetivo – ele pode simplesmente não ter motivação suficiente, mesmo tendo interesse.

Esse algo que se soma ao interesse e à decisão de buscar um objetivo, não é algo especificamente ligado a nenhum objetivo em particular – ao contrário, o que chamamos de Motivação é algo geral, que apenas pode ser canalizado para um objetivo específico. Cada um traz as suas motivações e o papel do tutor é facilitar o direcionamento desse energia para o estudo. Profissionais e empresários de sucesso não tem apenas uma boa qualificação técnica e uma visão apurada do seu mercado – também souberam canalizar suas motivações de forma produtiva.

Um aluno desmotivado sinaliza claramente que há algum problema sério: desde depressão até traumas pessoais e/ ou relacionados ao estudo. O papel do professor/ tutor é o de reconhecer a desmotivação (diferenciado-a do desinteresse) e chamar a atenção dos pais e cuidadores para o problema. Apenas corrigindo a desmotivação o estudo pode passar a ter um rendimento satisfatório.

Os determinantes das motivações são amplos e de base tanto biológica quanto psicológica; o que nos interessa é: estimar a motivação (diferenciando do aluno desinteressado); tentar canalizá-la para os objetivos do estudo. O papel do tutor é essencial nestes aspectos: apenas com uma observação e interação individualizada, é possível reconhecer e canalizar as motivações dos alunos. O aluno que estuda sozinho pode fazê-lo através do exercício diário de reflexão.

E como fazer para tentar canalizar a motivação para o estudo, ligando o estudo ao futuro – algo que sempre parece distante, para o adolescente que vive o agora? Acreditamos que o principal é o exemplo dos pais – como eles se relacionam ao trabalho, ao estudo e à perspectiva de futuro. Conversas em casa, com amigos e, se necessário, com psicólogos também ajudam.

Cabe a todos os envolvidos (pais e cuidadores, tutores, professores e colegas), convidá-los a reflexão, a perceber as próprias motivações e a canalizá-las de forma produtiva, direcionando-a aos seus objetivos.

Atividade física
O exercício físico, especialmente aeróbico, tem um efeito significativo sobre a formação de conexões cerebrais (sinapses) nas regiões relacionadas a memória. Mesmo pessoas com doenças degenerativas (como Alzheimer e outras demências) apresentam um efeito benéfico evidente do exercício.

Além disso, alunos com rendimento não satisfatório no estudo frequentemente apresentam-se tensos pelo excesso de cobranças externas e auto-cobrança; muitos tem ansiedade determinada biologicamente, principalmente se apresentam também TDAH/ déficit de atenção. E a atividade física regular, especialmente aeróbica (exercícios lentos e duradouros, como esteira/ bicicleta e natação), contribuem significativamente para reduzir a ansiedade e, consequentemente, melhorar o aprendizado e a auto-estima.

Portanto, a prática de regular de exercícios, especialmente aeróbicos, é imprescindível no acompanhamento de todos os alunos com baixo rendimento no estudo – assim como para alunos com rendimento normal.

Uma palavra sobre liderança



Todos nós precisamos de liderança. E frequentemente também precisamos saber liderar. Se alunos com rendimento normal precisam de uma boa liderança, alunos com rendimento abaixo da média e alunos com TDAH/ déficit de atenção, demandam atenção especial neste tema: simplesmente porquê uma liderança inadequada muitas vezes é a causa principal do baixo rendimento no estudo.

Há várias definições de liderança, todas elas imperfeitas. Uma definição simples poderia ser: influenciar pessoas para que façam algo voluntariamente. Ou seja, liderança pressupõe respeito à vontade, às decisões do aluno. Mas o que fazer se o aluno simplesmente aparenta não querer ou não tomar a decisão de estudar como achamos que ele precisa?

Neste ponto, torna ainda mais evidente a importância de distinguirmos alunos desmotivados de alunos desinteressados (irresponsáveis, mesmo?). Ambos requerem uma liderança muito bem orientada mas com estratégias completamente diferentes: 1. como despertar a motivação? 2. como despertar o interesse pelo estudo? Este segundo item talvez seja ainda mais difícil.

E como fazer isso sem atropelar o aluno, sem desrespeitar sua vontade, sem cair na tentação simplista de tentar “mandar” ou de “ameaçar punições” ou “prometer recompensas”... Embora tudo isso possa ter seu papel, lidar com alunos desmotivados ou desinteressados é um enorme desafio para tutores, professores, pais e cuidadores.

Acreditamos não ser possível “motivar pessoas” e sim apenas despertar e canalizar motivações já existentes – um efeito bem menor do que gostaríamos.

Provavelmente poucas coisas tem um efeito maior para despertar a motivação do que encontrar algo que o aluno saiba fazer bem, o que também tem um efeito direto na auto-estima – e a melhora da auto-estima é que desperta a motivação e a canaliza para o que estiver provocando este efeito. Perceber-se fazendo algo bem feito faz o aluno “perceber-se capaz”, o ponto-chave do Método Educare.

O que chamamos de “liderar” no Método Educare é simplesmente facilitar esse processo: aproveitar cada oportunidade de ocupar o aluno com algo que ele saiba fazer bem – ou temas que ele tenha mais conhecimento estabelecido; e, em seguida, associar essas atividades com aquelas que ele precisa realizar – como estudar alguns temas de matemática...!


O Método Educare é uma ferramenta para o que o tutor, o professor e a família aperfeiçoe o processo da liderança em cada oportunidade.


Quanto ao aluno desinteressado, antes mesmo de “liderança”, é preciso “reflexão”: alunos desinteressados precisam urgentemente ser convidados a perceber que a Terra não para de girar aguardando sua boa-vontade para fazer algo; que ninguém têm todo o tempo do mundo e sim que há um tempo para cada coisa.


Os tutores e professores podem e devem participar dessa estimulação – mas este é um papel fundamentalmente exercido pela família. Os líderes familiares (pais, mães e cuidadores) precisam assumir ativamente o papel de dosar “cobrança” e “reflexão”; o papel de despertar e canalizar as motivações dos filhos para que eles ativem seus interesses – geralmente latentes, apenas esperando uma oportunidade de se manifestarem.

Uma palavra sobre TDAH/ déficit de atenção



É preciso lembrar que muitas crianças simplesmente não apresentam TDAH e são equivocadamente diagnosticadas – o que torna particularmente desastrosa qualquer tentativa de “tratamento”, especialmente se medicamentoso: todos os riscos físicos e efeitos negativos sobre a auto-estima, sem qualquer benefício.



Todos nós sabemos que há crianças, adolescentes e adultos com graus variados de dificuldade de manter o foco da atenção; boa parte deles apresenta inquietação motora concomitante. Apesar de terem inteligência normal – ou acima da média – é frequente haver um desencontro entre sua forma de aprender e a forma das escolas ensinarem e avaliarem o aprendizado.


É bastante comum que esses alunos sofram rotulamento e bullying, agravados por algum grau de negligência ou mesmo de abandono por parte das próprias escolas. Além disso, boa parte sofre com excesso de intervenções médicas, incluindo uso de medicamentos que, apesar de efeitos imediatos na atenção, tem efeitos questionáveis sobre o resultado final, além de frequentes efeitos colaterais (irritabilidade, perda do apetite, insônia, desencadeamento de sintomas ansiosos e depressivos) e contra-indicações cardiológicas. Mais ainda, o efeito negativo sobre a auto-estima e auto-conceito são consequências inevitáveis do uso de qualquer medicamento e do rotulamento em um diagnóstico.

O que o Método Educare pode oferecer de forma específica para alunos que – realmente – apresentem TDAH?

O que o método oferece para alunos com TDAH é que ele funciona, independente de TDAH ou não-TDAH... Ou seja, o método funciona porque baseia-se no funcionamento do cérebro – que é o mesmo para “TDAH” ou “não-TDAH”!

E Justamente por não ser específico para quem quer que seja, o Método Educare contribui para diminuir os efeitos do rotulamento. O método é de estudo, não é de “tratamento”! O método serve a quem precisa estudar, a quem precisa aprender, a quem precisa se tornar auto-didata – embora, indiretamente, ao atenuar o rotulamento, o método ajude a retirar um obstáculo significativo ao aprendizado de alunos com o diagnóstico de TDAH.

É possível que pessoas atualmente rotuladas de “portadores de TDAH” tenham um desempenho melhor com o método, do que “não-portadores”, por alguns motivos:
  1. por ser uma sequência de estudo mais individualizada, mais subjetiva – incluindo a proporção de tempo utilizada para cada passo;
  2. por haver um grande espaço para a criatividade, nos passos “Pesquisa”, “Debate” e, principalmente , no passo “Síntese”;
  3. por privilegiar a associação entre informações, algo que os “alunos com TDAH” não tem dificuldade alguma ou até uma habilidade superior – mesmo aparentemente distantes.

Enfim, é justamente por não ser “específico para portadores de TDAH” que o Método Educare lhes é particularmente benéfico: ao contribuir para desfazer o rótulo, o conceito inteiramente equivocado de que “portadores” de TDAH precisam de medidas adicionais, de métodos especiais, de ferramentas poderosíssimas para lidar com seu “déficit”, com sua falta de capacidade de algo...

O que alunos que realmente tenham dificuldade de atenção precisam é de uma forma de estudar que considere sua individualidade, que lhes deixe espaço para sua criatividade, que lhes permita memorizar informações ao associá-las livremente! Algo que lhes mostre que, embora possam ter alguma dificuldade na escola, é frequente que tenham um desempenho acima da média na Faculdade e, mais ainda, no mercado de trabalho. Que sua eventual dificuldade de manter o foco em apenas um tema, durante o estudo, é acompanhada de uma facilidade de relacionar informações abstratas – o que é altamente valioso no mercado de trabalho.

Conclusão: percebendo-se capaz


Em todas os passos do Método Educare há algo que mostra ao aluno que ele é capaz. Não apenas capaz de aprender um assunto mas de aprender a aprender. Capaz de aprender a cuidar de si mesmo – ou seja, capaz de crescer. Capaz de elaborar e responder perguntas, capaz de captar dicas em perguntas simples, capaz de se orientar em um tema e de encontrar a melhor forma de abordá-lo; de elaborar um ponto de vista e defendê-lo respeitando o ponto de vista do colega.

Capaz de escrever uma síntese do conhecimento sobre um tema, acrescentando sua visão pessoal. Capaz de refletir sobre a utilidade de saber matemática e de refletir sobre o sentido da vida. Capaz de observar o exemplo dos pais e não apenas aprender com eles – como agir e como não agir – mas também expressar suas opiniões a aprender a seguir seu próprio caminho.

Se na escola o aluno precisa se tornar um auto-didata, na vida o adolescente precisa aprender a cuidar de si mesmo, assumindo uma vida mais que produtiva: saudável e feliz!

terça-feira, 21 de maio de 2013


O capuz
























Marcus Sabry Azar Batista
www.marcussabry.com
Introdução


A vida de dois personagens se encontra em um momento crítico para ambos, o momento da execução, em circunstâncias completamente opostas... um é o condenado a morte, o outro, o carrasco...

Apenas um mínimo de contato entre ambos, através de buracos de traça no capuz do condenado... que vê seu carrasco e um resquício de mundo, em seus últimos momentos...


De repente, tudo ficou escuro...


* * *


Apenas alguns buracos de traças me permitiam ver um resquício de mundo. A cada respiração, o ar aquecido e úmido me sufocava mais um pouco. E eu sabia que cada passo era um passo a menos. Que cada respiração me aproximava do fim.

Eu estava ali para ser morto. Morto por um crime que realmente cometi. Mas eu não entendia porque tantas outras pessoas estavam ali naquele mesmo momento. Teríamos algum encontro marcado? Porque tantas pessoas deixaram de cuidar de suas casas, de suas plantações, de seu mercado, para ver a vida de alguém sendo extinta?

Haveria nisso alguma compaixão? Haveria a sensação de imaginar como seria estar no lugar de um condenado? Haveria apenas uma curiosidade meio doentia?
Ou haveria alguma sensação de superioridade, intensa a ponto de compensar as horas de espera, sob um sol escaldante? Haveria alguma sensação de superioridade que compensasse a volta pra casa refletindo sobre as imagens de alguém tremendo sob o impacto de um projétil, depois caindo, depois ficando imóvel? Haveria alguma sensação de superioridade que compensasse esta demonstração orquestrada de violência, algo que justificasse a farsa de um julgamento, a brutalidade de uma execução?

Alguma sensação de superioridade que justificasse sacrificar a vida de um ser humano diante de outros seres humanos? Porque não fazê-lo em reservado, simplesmente fazê-lo? Porque não fazê-lo do mesmo modo que eu cometi meu crime, sutilmente, dissimuladamente, só interessando o resultado, sem testemunhas, apenas vítima e algoz?


* * *


Preparar...


* * *


Poderia ser o mais comum dos dias; um dia que começou cedo, antes do nascer completo do sol... um dia que começou cedo, antes que as brumas se dissipassem totalmente, a névoa parecia querer cobrir o sol para sempre, como se pudesse impedir o que acontecerá em seguida...

Pudera eu não precisar estar ali, diante de um pobre diabo que mal entende o que está acontecendo. Um pobre imbecil que mal consegue respirar sob um capuz roído por traças. E que logo estará inerte, qual um saco de areia ou de esterco. E que logo desaparecerá, como poeira levantada pelo vento.

Malditas traças, que me permitem ver os seus olhos. Malditas traças que permitem que ele me olhe enquanto respira.

Malditos todos esses idiotas que criaram essa farsa, esse teatro de marionetes sádicas. Malditos vocês, idiotas comuns, que deveriam estar cuidando de suas vidas ao invés de vir assistir ao espetáculo de uma vida sendo extinta. Malditos todos, inclusive a mim, por não ter alternativa a não ser participar dessa possibilidade de medíocres se sentirem superiores, mesmo que apenas por um momento.

Como me tornei soldado? Não sei ao certo. Mas que outras opções eu teria, neste recanto perdido no tempo, dissociado da história?
Como me tornei carrasco? É praticamente o mesmo que perguntar: por quê não desertei; por quê não fui embora deste buraco miserável onde tive o azar de nascer... A resposta é simples: por quê não tenho nenhuma habilidade além da pontaria. Habilidade tão casual quanto o meu local de nascimento. A experiência com armas aproximou o exército de mim; a falta de opções me fez não poder dizer não.

Não conto mais quantos homens executei; não sei se eram inocentes ou culpados. Nem se seu crime e sua culpa justificariam seu extermínio. Nem me interessa saber nem ficar pensando, sem poder chegar a qualquer conclusão. Sei apenas que eu não tinha alternativa. Como suas vítimas talvez não tenham tido alternativa; como não tiveram alternativa melhor para uma manhã de sábado, essas vítimas que vivem nesse lugarejo esquecido e que vieram assistir outra vítima ter um destino mais cruel que os delas – talvez tenham vindo por isso, para que se sintam menos miseráveis, ao menos por uma manhã.

Não muitas pessoas comuns sobrevivem neste mar de poeira, nesse deserto de calor e secura, onde o sol e a sede castigam mais que doenças, onde o trabalho é pesado, o solo de areia é escaldante e as encostas, íngremes. Um lugar onde o vento, de vez em quando, parece desesperadamente tentar levar tudo embora...

Poucas pessoas sobrevivem aqui e se sentem sempre tão miseráveis, que lhes é necessário se sentir menos miserável de vez em quando. E, assim, de vez em quando, é necessário que alguem morra de forma cruel para estes poucos que permanecem se sintam um pouco menos miseráveis.

Poucos homens, poucas mulheres, poucas crianças e quase nenhum idoso. Mas em número suficiente para necessitarem se sentir superiores a alguém. Para necessitarem sacrificar alguém em sua própria homenagem, como se isso tornasse menos insuportável o seu dia a dia.

Como se isso os tornasse menos miseráveis que esse pode diabo que ora consome seus últimos vapores, respirando por meros buracos de traça abertos em um capuz.


* * *


Benditas traças, que roeram alguns milímetros do capuz. Mas, por estar próximo dos meus olhos, os pequenos furos me permitem ver ainda uma parte significativa da paisagem que muitos considerariam lúgubre – mas, que, de tão familiar, me parece simplesmente o meu mundo.

Ou, simplesmente, o mundo, uma vez que não conheço outros – e sei que mal conseguiria imaginá-los, por nunca ter me afastado daqui mais que uns poucos dias de viagem. Tentativas de fuga, viagens sem rumo definido, em que a paisagem sempre se tornava cada vez mais desértica, cada vez mais quente, mais árida, a cada hora, a cada dia que passava, até que eu desistia de me afastar...

Até que eu desistia de tentar mais uma vez me livrar da condenação que o acaso me impôs. Até que eu desistia de fugir da condenação de não ter nascido em algum outro lugar qualquer, desde que menos sufocante do que o único mundo que conheci, o mundo em que passei a existir e de onde não consegui me afastar.

Benditas sejam as traças que me permitiram ainda ver um resquício desse mundo. Benditas as traças que me permitiram respirar um pouco do ar quente que antes me sufocava, um ar que ainda é melhor que o ar tóxico que sai da minha respiração ofegante. Um ar quente que ainda me traz um pouco do cheiro conhecido do meu único mundo.

Um cheiro forte, mistura de poeira, suor de homens e mulheres, urina e fezes de animais, sangue de incontáveis sacrifícios aos deuses eternamente esquecidos, chás de incontáveis ervas sempre fervendo em algum ponto, fumaça de madeira e de esterco queimando em tantos lugares ao mesmo tempo que parece tornar impossível sobreviver no ar puro... os cheiros... os últimos cheiros entram por furos de traças em um capuz...

E os sons, os incontáveis sons sutis de mil pessoas no mercado próximo; os gritos de oferta dos vendedores, a barganha retrucada dos compradores, o andar apressado das mulheres, o andar displicente das crianças, a corrida frenética dos ladrões de comida... os sons... os últimos sons também entram pelos furos que minhas amigas traças trouxeram para o capuz da minha mortalha.

Buracos de traça no capuz, que me permitem ver um resquício de mundo, ainda com seu colorido pálido, mil tons de cinza, algumas cores tímidas, alguns raros pontos brilhantes... que me permitem ver alguns animais esguios pastando displicentemente, meninos correndo atrás uns dos outros, ainda sorrindo simplesmente por estarem vivos, alguns pouco velhos sentados no chão, outros em pé, apoiados em bastões de madeira... alguns fumam, outros conversam, outros apenas olham para o nada...

Vejo uma mulher parada, com a mão sobre a testa para que o sol não a ofusque, enquanto observa os últimos momentos de um encapuzado desconhecido, insignificante, a não ser por representar uma miséria maior do que a da própria mulher parada sob o sol.


* * *


Buracos que me permitem ver os olhos de meus carrascos. Olhos que parecem estar com mais medo que eu. Olhos que se esforçam nas miras dos fuzis... para não se afastarem mais que alguns milímetros do meu peito esquerdo... olhos que se esforçam para fugir dos meus... olhos que parecem olhar para o nada, que parecem tentar não ver o que está diante deles.

Alguns dos carrascos desviam o olhar de mim como quem desejaria qualquer coisa, menos estar ali. Mas, uma vez que estavam e não poderiam fugir dali, só uma coisa poderia ser tão desejada: que seu fuzil estivesse carregado apenas de balas de festim, que não fosse deles a mão que apertaria um gatilho sincero, apenas o gatilho dissimulado, enganador, mentiroso, falso como aqueles que me julgaram, para quem a aparência de um tiro é tão importante quanto o tiro real, que o som, a luz e a fumaça importam tanto para o público quanto a bala que eles não veem nem escutam.

Outros, olham fixamente para mim, através da mira e através dos furos no capuz... olham como se desejassem que seu fuzil estivesse com a bala verdadeira, real, que explodiria verdadeiramente o peito de um encapuzado insignificante, anônimo, um qualquer, mais parecido com um saco de areia ou de estrume. Desejam que sejam eles os que trarão a todos os que assistem, o prazer de se sentirem menos miseráveis, por um dia. Mais que isso, desejam que seja deles a chance de tirar uma vida humana, mesmo que miserável, mesmo que desprezível, mesmo que seja apenas um fiapo mais parecido com uma imitação de vida do que com uma vida realmente humana – mas isso não interessa muito, não mais que a oportunidade de se sentir superior por um dia.

Mesmo que seja a oportunidade se sentir superior a um pobre diabo encapuzado, quase nem mais humano, condenado por um crime menor, uma mera desculpa para um espetáculo mais ridículo que macabro, triplamente trágico: um culpado por um crime menor ser condenado apenas para propiciar um espetáculo; um esfarrapado ser executado enquanto outros miseráveis assistem como se isso os tornasse menos miseráveis; esfarrapados aproveitarem a oportunidade de matar um esfarrapado, por motivos muito mais vis que seu crime...


* * *

Apontar...


* * *


Percebo agora que o capuz não serve a mim. Serve a meus carrascos, que preferem não me olhar nos olhos. Que preferem não ver minha expressão de terror. Que preferem não lembrar de mim mais do que o mínimo necessário, apenas uma farda surrada e um capuz corroído por traças, mais parecido com um saco cheio de areia ou de estrume do que com um homem comum, um homem igual a qualquer um, um ser humano igual aos seus carrascos – igual aos que se esforçam ao máximo para se sentirem diferentes, mesmo que seja de um pobre diabo mais parecido com um saco do que com um homem.

O capuz serve para esconder meu desespero dos meus carrascos; serve para que meu desespero não acentue o desespero deles, não os faça desejar estar em meu lugar, como se morrer fosse uma alternativa razoável para quem apenas sobrevive, como uma semente é ressecada até quase morrer; mas vai resistindo sem perceber e sem mais esperar que um dia a chuva fertilize o solo...


* * *


Fogo!


* * *



Vários fachos de luz explodiram na minha direção. Não terei tempo de escutar o som do tiro que se dirige a mim. Lembro que um único tiro se dirige para mim, apesar de vários fuzis apontados. Todos explodem, apontados para o meu peito. Mas quase todos tem balas de festim.

Apenas um tem balas de verdade. Quase todos são falsos. Apenas um é sincero.

Quase todos enganam a seus atiradores, para que não se sintam culpados pelo meu destino. Para que possam chegar em suas casas, depois de cumprirem seu papel de soldados, e possam almoçar em paz com suas esposas e seus filhos; para que possam fazer afagos em seus cães e deitarem-se nas suas camas, para repousar merecidamente; para que possam tudo isso sem saberem ao certo se hoje mataram ou não alguém. Para que possam esquecer mais rapidamente essa manhã inglória. Para que possam dormir a noite toda sem acordar com o pesadelo de ver uma bala saindo de sua própria boca, sendo soprada a toda força, como quem sopra uma zarabatana, viajando por alguns poucos metros até explodir o peito de um encapuzado.

Não atiram na cabeça, porque é mais difícil acertar. Atiram no peito, por ser maior e por conter melhor a explosão e o sangramento dentro de si mesmo, não espalhando pelo chão pedaços dos condenados – os quais seria trabalhoso recolher; atiram no peito que sangra para dento, sujando menos o chão de areia já escurecida por tantos outros sangramentos de tantos outros encapuzados anônimos.


* * *


Durante uma fração de tempo, tudo desapareceu. Tudo ficou claro, como se o sol se postasse a minha frente, ofuscando um resquício de mundo. Depois, vi um risco de luz, apenas. Um risco de luz vindo na direção do meu peito, como se estivesse me procurando há muito tempo. Como se estivesse ansioso por finalmente me encontrar. Por finalmente me libertar de meu ensaio de vida, de meu fiapo de sobrevivência, de minha quase ausência de desejos além de alguma esperança vaga, que mal conseguira definir, durante os quase vinte anos em que vaguei por esse deserto.

Um risco crescente de luz, que buscava o meu peito, um risco de chumbo incandescente, que girava frenético, causando uma turbulência na nuvem de fumaça atrás dele, uma espiral que se espalha, dissimulando os rostos dos meus carrascos. Imagino que isso lhes traga um certo alívio, por não ver mais parte do meu olho, por um mísero buraco de traças.

No entanto, percebo por um momento ínfimo, que agora se define o que mais lhes angustia. Agora saberão se de seu fuzil partiu a bala ou se dele partiu apenas fumaça e ruído. Se dele partiu a verdade ou apenas encenação; a verdade ou apenas parte de um teatro mesquinho; se poderão ir satisfeitos ou angustiados para casa; insatisfeitos ou angustiados – por saberem que extinguiram uma vida humana, ou quase humana – ou por saberem que não; por terem tido o prazer que desejavam ou por achar que terão de carregar uma sensação de culpa; satisfeitos mesmo sem terem mérito e culpados mesmo sem ter culpa, por um ato que não seria de bravura nem de covardia e sim apenas uma oportunidade que o acaso lhes concedeu.

O acaso de ter nascido naquele mundo perdido; o acaso de não ter conseguido nenhuma ocupação outra, além de soldado em um exército em farrapos, sem inimigos reais para combater; o acaso de ter sido escolhido entre não muitos para estar naquela execução, naquela encenação decidida por alguns poucos, para que não muitos possam se sentir superiores a um miserável qualquer.

O acaso de eu ter cometido um crime menor, um crime qualquer, e estar tão fraco para fugir, ter sido apanhado tão facilmente, em um momento em que as pessoas estavam precisando de alguma diversão e não haveria nenhuma melhor do que assistir um ser quase humano sucumbindo diante de um pelotão de fuzilamento, com suas fardas esfarrapadas – mas ainda assim, impressionantes para os semi-nus que assistem.

O acaso de seres estarem organizados de modo a se admitirem com o direito de decidir a vida e a morte de alguem; de se admirem como deuses locais, que decidem sobre si mesmos, se caracterizando como seres, mas que decidem também sobre outros seres, se caracterizando como deuses.

O acaso de poderem estar ali, exercendo essa função mesmo em uma sociedade tão primitiva e carente... mas que não deixa de ser composta por humanos, que não deixam de precisar sublimarem a frustração de se acharem pequenos, vendo alguem ainda menor sucumbir diante deles.


* * *


O projétil que me procurava finalmente me encontra. E finalmente encontro o que sempre procurei. A verdade, trazida por uma explosão no meu peito. Não sei quem foi o meu carrasco mas tanto faz, pra mim.

Nesse momento, ele sabe – pois tiros de festim não produzem um recuo na arma tão intenso quanto um tiro de verdade...


* * *


A mim, interessa apenas que tudo ficou escuro. E que depois, tudo ficou resumido a um resquício de mundo, visível por buracos de traça em um capuz. E, que depois, tudo ficou claro, ofuscante pela explosão do tiro. E que, depois, tudo ficou leve, apenas percebi a explosão do meu peito mas não senti dor, não senti angústia, não senti culpa, não senti mais nada – além de um alívio, suave como uma brisa, terno como nada que eu tenha experimentado até então, apenas um desfalecimento sutil, um adormecer tranquilo, a sensação de finalmente estar me libertando sem precisar fugir.