Recebi um e-mail de um colega jornalista (Alisson Bacelar), comentando uma entrevista publicada na revista Época
(acesse o link: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI125571-15223,00-O+PODER+REVELA+QUEM+SOMOS.html).
A idéia geral é que se pode demonstrar experimentalmente que "o poder corrompe". Vide nossa resposta, abaixo (e veja a entrevista na edição online da revista Época, através do link acima).
Marcus Sabry
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Grande Allison,
Obrigado pelo envio do artigo sobre poder e corrupção.
Teria sido interessante ter descrito melhor o experimento, seus métodos e resultados. Por exemplo, não é citado como foram compostos os grupos - como foram escolhidas as pessoas que fariam parte do "pouco" e do "muito" poderosos; essa informação é fundamental, uma vez que a diferença encontrada pode decorrer de diferenças já existentes entre os grupos, ao invés de decorrer da situação estudada. Assim, embora não dê para concluir (pelo que foi descrito) o que o autor concluiu, tendemos a acreditar no resultado porque ele reafirma o nosso senso comum.
Os resultados apresentados são uma média do grupo: dentro dele, há resultados individuais que foram maiores que a média e outros, menores que a média. Ou seja, como o comportamento humano é extremamente complexo e variável, podemos supor que algumas pessoas se comportariam da forma prevista para os "corruptos" (trapaceando para mais), outros trapaceariam para menos e outros, não trapaceariam.
Mesmo considerando que "a maioria" das pessoas se comportaria de forma corrupta, esta é uma informação importante mas muito pouco útil. Seriam úteis informações que possibilitassem prever se o comportamento individual seria mais provavelmente corrupto o não. Na prática, algo que é praticamente impossível de saber - a não ser em casos de reincidência.
Interessante é que o autor considera (pelo pouco que pode ser expresso na entrevista) que o problema seria uma característica intrínseca ao ser humano - algo que vem sendo discutido há séculos; vide Jean Jacques Rousseau, Thomas Hobbes e outros). E, paradoxalmente, a solução sugerida é extrínseca: mais vigilância. A prestação de contas e a transparência na administração pública e privada é essencial, obviamente. Mas, muito mais eficaz é uma fórmula mais simples, embora mais difícil de ser realizada: selecionar a pessoa indicada para a função, seja um executivo, um funcionário ou um político; ou seja, de todas as fases da política de RH (recrutamento, seleção, treinamento, supervisão, avaliação, etc.) a mais importante, sem dúvida, é a seleção. Se voce selecionou um colaborador adequado, as outras etapas (treinamento, etc.) fluirão melhor, de forma mais produtiva; se, ao contrário, nem todos os esforços de treinamento, supervisão, etc. serão suficientes para compensar o equívoco na seleção.
Em uma empresa, a seleção dos executivos é um processo que está muito mais sob o controle dos proprietários ou acionistas, os candidatos tem uma história e realizações bem conhecidas, características pré-definidas (não são eles que se candidatam e sim são pré-selecionados) e o resultado nem sempre é satisfatório; em uma entrevista para selecionar um colaborador, a avaliação é altamente subjetiva e em 5 minutos é preciso decidir se um ilustre desconhecido tem as características necessárias; em uma eleição, o candidato é um ilustre desconhecido (a não ser o nome e a aparência), com recursos para se apresentar bem diferente do que é na realidade e a supervisão será feita (se for) de forma muito indireta: ou seja, nada mais difícil do selecionar um político.
É por isso que uma eleição não ocorre em 5 minutos nem pode ser decidida por um grupo seleto de pessoas. A população escolhe por vários critérios, simultaneamente. Uns escolhem pela aparência física, simplesmente; outros, pela forma como o candidato fala e olha, se transmite “algo bom”; outros, pelas propostas concretas; outros, pelo que conhecem do seu passado e realizações; outros, pelo que conhecem dos seus relacionamentos pessoais e comerciais (os grupos a que estão ligados). Por menos rígidos que sejam os critérios, dificilmente se escolheria “qualquer um” - o que corresponderia ao mero efeito do acaso – porque, mesmo sem nenhum critério, a escolha ocorreria apenas entre os que se tornaram conhecidos do eleitor (o que já é uma forma de seleção, que já manifesta fatores ambientais, econômicos e políticos).
Resumidamente, Allison, os que se propõem a participar ativamente desses processos (empresarial e político) precisam se aprofundar ao máximo na questão da seleção - o que é só o início da história. Após a seleção é que as características serão confrontadas com a realidade; assim, aquele candidato que se anunciava como competente e experiente, poderia não estar mentindo e, apesar disso, não ser competente e experiente o bastante para resolver as situações que vai ter pela frente, seja como colaborador, seja como executivo, seja como político.
Voltando ao tema que motivou nosso debate, o estudo sobre se “o poder corrompe”, considero que as oportunidades que o poder traz apenas evidencia características prévias, as potencializa. Assim como quaisquer situações extremas (como naufrágios - onde “os ratos saem primeiro” -, situações de privação – como ilustrado no livro e filme “Ensaio sobre a cegueira”), o poder apenas retira as máscaras. E o segredo das seleções – entre elas as eleições – é conseguir ver sob as máscaras: se for muito diferente da aparência, procure outro candidato. Nesse processo, as pessoas utilizam estratégias muito particulares para tentar “ver”, assim como utilizam conceitos muito diferentes sobre o que é “máscara”. Bom, esse é nosso mar, é nele que navegamos.
Atenciosamente,
Marcus Sabry
domingo, 4 de abril de 2010
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