quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

TRECHOS DE "O CAPUZ"

"De repente, tudo ficou escuro...

                                                       ***

Apenas alguns buracos de traças me permitiam ver um resquício de mundo. A cada respiração, o ar aquecido e úmido me sufocava mais um pouco. E eu sabia que cada passo era um passo a menos. Que cada respiração me aproximava do fim.

Eu estava ali pra ser morto. Morto por um crime que realmente cometi. Mas eu não entendia porque tantas outras pessoas estavam ali naquele mesmo momento. Teríamos algum encontro marcado? Por que tantas pessoas deixaram de cuidar de suas casas, suas plantações, de seu mercado, pra ver a vida de alguém sendo extinta?

Haveria nisso alguma compaixão? Haveria a sensação de imaginar como seria estar no lugar de um condenado? Haveria apenas uma curiosidade meio doentia?


(...)


Por quê não fazê-lo em reservado, simplesmente fazê-lo? Por quê não fazê-lo do mesmo modo que eu cometi meu crime, sutilmente, dissimuladamente, só interessando o resultado, sem testemunhas, apenas vítima e algoz?"

(...)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Trechos de "Castelos de Areia"

(...)


"Inquieto por não ter percebido resposta a sua pergunta, o menino
me olha, desolado. Sentirá dó de um velho agonizante? Solta as
minhas pálpebras, fazendo desaparecer um resquício de mundo.
Senta no chão ao meu lado, olhando e escutando o mar, pensativo.
O mesmo ruído constante das pequenas ondas, quantas horas
passei a escutá-lo. Quantas vezes dormi ouvindo esse chiado surdo
do mar, que me fazia esquecer de tudo até o outro dia, quando o
sol vinha me acordar...

De repente, o menino levanta-se e grita bem alto:

- Por quê escolheste este lugar para morrer? Apenas para que eu
presencie a tua agonia? Fale-me sobre você. Talvez assim eu
descubra quem você é...


Agora percebo... percebo que não poderia ter me perguntado
“porquê envelheci tão rápido” se não tivesse me conhecido mais
jovem... Mas como poderia ter me conhecido se estive longe daqui
por mais anos do que aparenta sua idade?"


(...)


"O mar está calmo, não exigirá muito esforço e você poderá
descansar antes de voltar...


Pare de remar, aqui já é suficiente.


Tome, pegue este relógio, ele não me servirá mais. Pois ele
continuará funcionando mesmo após meu tempo ter se extinguido:
marcará um tempo que eu não terei mais. Assim como os seus
ponteiros, a terra continuará girando em torno do sol, a lua
continuará sua jornada em torno da Terra, o mar continuará indo e
vindo e apagando as marcas de meus pés descalços na areia.


Observe até que eu pare de respirar. Então pegue meu pulso. Após
ele parar por cinco minutos, me empurre para fora da canoa, para
que meu corpo volte definitivamente par o mar e possa se desfazer
como areia lançada à agua. A ansiedade que vem de um tempo
cada vez menor enfim se encerrará."